Na última terça-feira (9/4) o participante conhecido como Buda (Lucas Henrique) do reality show “Big Brother Brasil” foi eliminado do programa da TV Globo. Ao sair do confinamento, foi recebido com uma notícia inesperada: encontrava-se divorciado
Durante o programa, o participante teve comportamentos que, na opinião de sua, até então, esposa, foram tidos como traição. Por conta disso, a cônjuge resolveu entrar com o processo judicial requerendo a decretação do divórcio e teve o mesmo deferido, ainda durante a estadia dele no programa de televisão.
O processo tramita em segredo de Justiça, mas segundo declaração da advogada da autora [1], a decisão liminar de fato decretou o divórcio.
No caso em análise, a citação só poderia ser efetivada após a saída do participante do programa de televisão. Tal caso evidencia de maneira extrema uma discussão recorrente na atuação prática do advogado familiarista.
É juridicamente viável a decretação liminar do divórcio?
Sabe-se que, atualmente, o divórcio é um direito potestativo, ou seja, possui a prerrogativa jurídica de impor a outrem a sujeição ao seu exercício, sendo, portanto, um imperativo da vontade. Isso quer dizer que se um dos cônjuges desejar o divórcio, o outro nada poderá fazer, a não ser se sujeitar a esse desejo.
Casal antes da entrada de Buda na edição deste ano do “Big Brother Brasil”
Fortemente influenciado pelo Direito Canônico, o casamento era indissolúvel quando entrou em vigor o Código Civil de 1916. O instituto mais próximo de um divórcio que existia era o chamado “desquite”, que funcionava como forma de desobrigar os cônjuges do cumprimento dos denominados “deveres do matrimônio”, bem como previa a separação de corpos e extinguia o regime de bens, sem, contudo, determinar a extinção do vínculo matrimonial
Somente com a promulgação da Emenda Constitucional 09/1977, o divórcio passou a ser admitido no Brasil. Todavia, tal direito estava condicionado à prévia separação judicial por mais de três anos e somente nos casos expressamente previstos em lei. Assim, a dissolução do casamento era um ato condicionado.
Com o propício advento da Emenda Constitucional 66/10, o poder constituinte derivado extinguiu os prazos para o divórcio e eliminou a figura da separação judicial do cenário jurídico brasileiro. Assim, ainda que permaneça na lei a previsão do §2° do artigo 1.580 do Código Civil de que a comprovação da separação de fato por mais de dois anos é requisito para que o divórcio seja requerido, a norma constitucional importou na revogação implícita do referido dispositivo.
Resta, no entanto, uma dúvida: o fato de ser um direito potestativo impediria qualquer argumentação jurídica que pudesse ser alegada em contestação? Será que uma decretação tão célere e sem sequer oportunizar a manifestação da outra parte seria uma ameaça ao contraditório efetivo?
Os opositores da possibilidade de decretação liminar do divórcio alegam que o deferimento, pelo magistrado de primeiro grau, de tutela provisória que decrete o divórcio de um casal sem oitiva da parte contrária, impediria a alegação de qualquer matéria de defesa pela parte contrária, desrespeitando o princípio do contraditório.
Deslinde adequado
É bem verdade que, por ser um direito potestativo, pouco importa o porquê da decisão pelo rompimento do vínculo matrimonial. Todavia, será que não há nenhuma argumentação jurídica que pudesse ter relevância para o deslinde adequado da questão antes da decretação do divórcio?
Um exemplo trazido por tal corrente seria o caso de casamentos nulos. Em tal hipótese, os efeitos jurídicos resultantes do processo em tela seriam diferentes: caso o casamento fosse reconhecido como nulo, os supostos cônjuges não teriam o estado civil de divorciados, mas, em realidade, nunca teriam deixado de ser efetivamente solteiros.
Por outro lado, sabe-se que os casamentos nulos são muito mais presentes nos manuais e doutrinas jurídicas do que na prática cotidiana do judiciário. A maioria dos casos de divórcios que chegam ao judiciário são de casamentos válidos em que, por qualquer motivo que seja, um ou os dois cônjuges decidiram que a sociedade conjugal precisa ser desfeita.
Nesse sentido, para grande parte da doutrina familiarista, o direito ao divórcio deve ser assegurado com efetividade e rapidez, prezando pela dignidade dos cônjuges, simplificando qualquer forma de litígio que um processo alongado poderia trazer.
Para Conrado Paulino da Rosa “a visão contemporânea de um direito potestativo ao divórcio permite que, desde o início da demanda, o magistrado já determine a extinção do vínculo, seguindo a demanda com a discussão de outros temas. [2]
Isso porque o artigo 1.581 do Código Civil prevê que o divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens, o que também foi acolhido pela súmula 197 do Superior Tribunal de Justiça.
Um possível meio termo para a presente discussão é a possibilidade trazida pelo Código de Processo Civil de 2015 do julgamento antecipado parcial de mérito.
Por meio dessa técnica processual, que fragmenta o julgamento da causa, passa a ser faculdade do juiz decidir parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados (ou parcela deles) mostra-se incontroverso e/ou estiver em condições de imediato julgamento, em virtude da desnecessidade de produção de outras provas ou da revelia, em que se reconheça a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor e o réu não tenha requerido a produção de provas (CPC, artigo 344, 349, e 355, I e II).
A sentença parcial de mérito permite que, em um caso de uma ação judicial de divórcio cumulado com partilha de bens, o divórcio seja decretado antes do encerramento da fase instrutória do processo, mas após a manifestação da outra parte.
Dessa maneira, seria possível se buscar um equilíbrio entre o respeito ao princípio do contraditório e o princípio da razoável duração do processo, fazendo a ponderação adequada de em qual medida cada um deve prevalecer.
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[1] https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2024/04/06/camila-moura-consegue-o-divorcio-litigioso-de-buda-diz-advogada.ghtml
[2] ROSA, Conrado Paulino da. Curso de Direito de Família Contemporâneo. 5.ed. Salvador: JusPODIVM, 2019, p. 272.